Ao longo das próximas semanas, publicar-se-á uma série de textos (ou de excertos de textos) literários que pretendem acompanhar as evoluções da língua portuguesa ao longo dos séculos.
Começaremos, esta semana, por publicar cantigas medievais da lírica galaico-portuguesa (ou galego-portuguesa), isto é, escritas no dialecto galego-português que viria a originar a língua portuguesa (e a galega). Foram produzidas entre os finais do século XII e os inícios do século XIV. As composições mais conhecidas são as cantigas de amor e as cantigas de amigo, mas também existem cantigas de escárnio (sátiras que apontavam personalidades ou grupos sociais) e cantigas de índole religiosa, como as cantigas de Santa Maria, de Afonso X, o Sábio. Escolhemos publicar apenas exemplos de cantigas de amor e de cantigas de amigo. As cantigas apresentadas seguem a edição de Mercedes Brea da Lírica Profana Galego-Portuguesa (Santiago de Compostela, Centro Ramón Piñeiro, Xunta de Galicia, 1996).
As cantigas de amor tiveram como inspiração o amor cortês da cansó provençal. De acordo com o ideal de amor puro dos troubadours occitânicos e com os rituais fortemente devedores do imaginário feudal desta poesia, o poeta devia louvar a sua senhor (a amada). O ambiente é o da corte e, nas primeiras composições, a senhor é geralmente uma mulher casada; posteriormente, os compositores escrevem também para as raparigas solteiras, com dote. Os códigos de conduta a que compositores devem obedecer são severos e ditam regras estritas de cortesia e de discrição. O amador oferece-se à senhor sem revelar o seu nome; esta, altiva e distante, pondera a hipótese de lhe oferecer a sua mercê (a recompensa) ou o desdém. Na maior parte das cantigas é realçada a coita (o sofrimento) do compositor, chegando a encenar-se a morte de amor.
Quanto às cantigas de amigo, diferem das de amor em primeiro lugar porque o sujeito enunciador é uma rapariga, uma novidade relativamente à cansó provençal. Esta rapariga, geralmente afastada do ambiente cortesão das cantigas de amor, partilha com as suas confidentes (a mãe, as amigas, a natureza) os seus sentimentos: a alegria por rever o amigo, as saudades que dele sente ou os planos que faz para o futuro. São cantigas mais realistas, alegres e variadas, explorando uma maior gama de sentimentos. São também cantigas que comportam uma forte carga simbólica e, por vezes, um subtexto erótico. Não se conhecem com rigor as origens das cantigas de amigo, mas supõe-se que uma poesia pré-cortês terá constituído uma tradição peninsular, possivelmente enriquecida com influências da poesia árabe, e que, repensada com a lição trovadoresca, terá influenciado as cantigas de amigo.
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