30/10/07

90 anos do pintor Júlio Resende



Imagem: Júlio Resende, O Cão e o gato, óleo sobre tela (imagem retirada daqui)
Por ocasião dos 90 anos do pintor português Júlio Resende, nascido no Porto em Outubro de 1917, está patente uma exposição antológica no antigo edifício da Alfândega do Porto e podem visitar-se neste momento mais três exposições em Gondomar, entre as quais duas n’O Lugar do Desenho, instituição privada criada pela Fundação Júlio Resende em 1997.

O jornal Público disponibiliza uma exposição virtual aqui.
Visite aqui o sítio d’O Lugar do Desenho – Fundação Júlio Resende.

HUMANOS - QUERO É VIVER

E a vida é sempre uma curiosidade

Quero é viver, letra e música de António Variações
por Camané (Humanos)

Vou viver
Até quando eu não sei
Que me importa o que serei
Quero é viver

Amanhã
Espero sempre um amanhã
E acredito que será
Mais um prazer

E a vida
É sempre uma curiosidade
Que me desperta com a idade
Interessa-me o que está pra vir

E a vida
Em mim é sempre uma certeza
Que nasce da minha riqueza
Do meu prazer em descobrir
Encontrar, renovar, vou fugir ao repetir


António Variações (1944-1984) foi um compositor, músico e cantor português que conheceu um sucesso considerável no início dos anos 80, graças a músicas como "É P’ra Amanhã", "Canção do Engate" ou "O Corpo é que paga" e a um estilo exuberante e pouco conforme aos padrões da sociedade portuguesa de então. Vinte anos após a sua morte prematura, um conjunto de músicos propôs-se gravar temas inéditos de António Variações. Nasceu assim o grupo Humanos, cujos vocalistas foram Camané (essencialmente fadista), David Fonseca (ex-vocalista dos Silence 4 e autor de vários álbuns a solo) e Manuela Azevedo (vocalista dos Clã). O disco, Humanos, foi um grande sucesso em Portugal. O grupo dissolveu-se em 2006, após o lançamento de um cd ao vivo e de um dvd.

28/10/07

Um poema por semana

Viver sempre também cansa (1931), de José Gomes Ferreira

Viver sempre também cansa.

O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde…
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida…

E obrigam-me a viver até a Morte!

Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
«Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.»

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo…


José Gomes Ferreira (1900 – 1985) foi um poeta e escritor português. Ligado ao movimento neo-realista, o seu empenho cívico valeu-lhe o epíteto de "poeta militante", título de que se serviu mais tarde para o conjunto da sua obra poética. Alguns dos temas recorrentes da sua poesia são a revolta face às injustiças, o remorso e o desconsolo perante a previsibilidade da vida. Para além da poesia, publicou em 1973 Aventuras de João Sem Medo, romance dirigido ao público infantil (mas não só) sobre um rapaz corajoso que se decide a abandonar um país cinzento, enfrentando o medo e conhecendo outros mundos. O livro mereceu do crítico Alexandre Pinheiro Torres as seguintes palavras: "Livro sem qualquer paralelo na literatura europeia de hoje, ganha no confronto em relação a outras célebres alegorias políticas como "Animal Farm" de Orwell, ou as de Karel Capek. É que há (...) uma audácia à Swift ("Gulliver's Travel") de transfiguração e simbologia política que transcendem de bastante longe o burocratismo imaginativo de Orwell ou de Capeck, sem verdadeiras raízes nas tradições populares ou folclóricas que conferem a estas 'Aventuras' o seu carácter único" (citação encontrada aqui).

Consulte aqui a biografia do Centro Virtual Camões.

26/10/07

Agenda

Imagem: Maria Helena Vieira da Silva, Composition, 1936

Até ao dia 18 de Outubro mantém-se, no Centro Cultural Gulbenkian em Paris (51, avenue d’Iéna, tel: 01 53 23 93 93) a exposição de pinturas de Maria Helena Vieira da Silva, em colaboração com o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão da Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa e da Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva de Lisboa.

De 31 de Outubro (4ª feira) a 8 de Novembro (5ª feira), no Théâtre de l’Epée de Bois (Cartoucherie de Vincennes), integrado no ciclo Un Automne a Tisser, apresentar-se-á o espectáculo “Mort d’un hétéronyme”, a partir de textos de Fernando Pessoa, pela Companhia Hic et Nunc, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Informações: 01 43 74 20 21.

Consulte as biografias do Centro Virtual Camões de Maria Helena Vieira da Silva e de Fernando Pessoa.

Maluquices 4

Passar-se

Implica uma perda momentânea de lucidez. Uma pessoa pode “passar-se”, por exemplo, quando faz uma descoberta espantosa ou então quando é obrigada a suportar uma situação absurda ou enervante.

“A Dora passou-se quando descobriu que todos os colegas estavam a par da situação”
“Já me estou a passar com estes relatórios que tenho de mandar todos os meses!”

As consequências do “passar-se” não são unívocas: quem “se passa” pode provocar “uma cena”, com direito a gritos ou agressões, mas também pode não fazer nada além de declarar que “se passa”.

Nos exemplos apresentados, é mais provável que a primeira frase se refira a um “passar-se” com consequências (a Dora, sentindo-se ofendida, reagirá e agredirá os colegas) e que a segunda diga respeito a um “passar-se” inócuo (quem diz “já me estou a passar” geralmente não “se passa” a sério).

Uma expressão equivalente: perder a cabeça.

25/10/07

Maluquices 3

Ser chanfrado

Se quem tem um parafuso a menos ou não bate muito bem da bola pode manifestá-lo esporadicamente, isto é, só de forma rara e acidental, não há nada a fazer para quem é "chanfrado": é-o sempre, e completamente.

"Aquele funcionário, antes de ir para o emprego, todas as manhãs, compra peixe fresco; depois, deixa-o todo o dia debaixo da secretária, dentro de um saco de plástico (podes imaginar o cheiro nauseabundo!), e só à noite, quando volta para casa, é que o põe no frigorífico, por duas horas, antes de o comer ao jantar. É completamente chanfrado!"

Uma expressão equivalente: ser doido varrido

24/10/07

Maluquices 2

Ter um parafuso a menos

"Ser amalucado, tonto, mentalmente desequilibrado", diz o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa. É uma expressão que se usa normalmente para justificar comportamentos fora das normas, não sendo particularmente agressiva.

"O Tó tem mesmo um parafuso a menos, então não é que pôs detergente da louça na máquina de lavar roupa?!?!"
(nota: a expressão "então não é que", dita em tom exclamativo e interrogativo simultaneamente, introduz um facto absurdo, que se não pode crer)

Leia-se este artigo do jornal Folha de São Paulo para se conhecer a "Ordem do Parafuso" na Argentina (a expressão tem um equivalente directo em espanhol, "faltar un tornillo").

Uma expressão equivalente: não jogar com o baralho todo.

23/10/07

Maluquices 1

Não bater bem da bola.

Diz-se de alguém que mostra não ser muito ajuizado (isto é, não ter muito juízo, discernimento), geralmente no seguimento de acções ou reacções desequilibradas e/ou bruscas.

"- O Miguel ficou furioso com o que lhe disse a senhora da agência de viagens e rasgou o bilhete que tinha comprado em mil pedaços.
- Coitado… Não bate bem da bola…"

Se se fizer uma pesquisa na Internet, o termo aparece bastantes vezes como resposta a declarações consideradas infelizes ou despropositadas, em tom de menosprezo (e, no entanto, pode ser dito com afeição, por exemplo face a um comportamento inesperado de uma criança).

Uma expressão equivalente: não regular bem da cabeça.

O Alienista

Imagem: A Cura da Loucura - Extracção da Pedra da Loucura (1475- 1489) – Hieronimus Bosch


Já que a novela que vamos ler este semestre é O Alienista, do escritor brasileiro Machado de Assis (1839 – 1908), comecemos por descortinar o significado da palavra: segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa, um alienista é um médico especializado no tratamento de doenças psíquicas, sendo o alienado a pessoa que perdeu a razão ou que tem as faculdades mentais perturbadas. O termo alienado, com essa acepção, encontra-se facilmente nos escritores do século XIX como Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós ou Machado de Assis. Como leremos, o alienista de Machado de Assis é alguém que se propõe tratar os loucos.

Ao longo do século XX, devido à influência da teoria marxista - em que o conceito da "alienação" ocupa um lugar central - o termo alienado passa a designar em primeiro lugar uma outra realidade. Marx considerava como alienado o indivíduo que, por razões económicas e/ou sociais, perdera a consciência de si e renunciara à sua liberdade para se tornar num elemento "sem contexto", explorado pela sociedade; por outras palavras, o indivíduo que tinha prescindido da sua individualidade para servir o capitalismo (ou, enfim, para que dele a sociedade capitalista se servisse). É principalmente com esse sentido que o termo alienado se encontra na literatura do século XX, por exemplo em obras de escritores neo-realistas.

Ao alienado chama-se hoje em dia demente, louco, doido, maluco. Esta semana, vamos tentar dar conta, no blogue, de algumas expressões (maioritariamente populares e bem-humoradas) relacionadas com a loucura. Começamos já de seguida.

19/10/07

Um poema por semana

Caranguejola, de Mário de Sá-Carneiro

- Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!

Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira -
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.

Não, não estou para mais - não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
Que querem fazer de mim com este enleios e medos?
Não fui feito pra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar...

Noite sempre plo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
Plo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...

Se me doem os pés e não sei andar direito,
Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
- Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...

De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom edrédon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...

Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará.
Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. Co'a breca! Levem-me prà enfermaria! -
Isto é, pra um quarto particular que o meu Pai pagará.

Justo. Um quarto de hospital, higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível - por causa da legenda...
Daqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda -
E depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...

Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora, no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras:
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.

Paris - Novembro 1915

Mário de Sá-Carneiro, Poemas Completos, edição de Fernando Cabral Martins, Assírio & Alvim, 2001


Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) foi um dos fundadores da importante revista modernista Orpheu (1915), pedra basilar do importante movimento modernista português. Tendo estudado em Paris, aí escreveu uma boa parte das suas obras, que se repartem em novelas (A Confissão de Lúcio, Céu em Fogo) e livros de poesia (Dispersão, Indícios de Oiro). Amigo e confidente de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro foi um poeta amargurado e profundamente dividido. Acabou por se suicidar, num quarto de hotel, em Paris.

16/10/07

Pontapé de saída

O blogue Tempos Compostos é feito para e por alunos de Português que estudam em Paris. Os seus objectivos são dois: em primeiro lugar, servir de suporte à difusão de conteúdos, principalmente culturais, que não caibam no espaço da sala de aula, sendo inerente a preocupação com a língua portuguesa; em segundo lugar, constituir uma janela para a produção de textos dos alunos resultantes do trabalho desenvolvido nas aulas.

Enquanto gestor deste espaço, farei os possíveis por cumprir o primeiro objectivo, colocando em linha textos, canções, ligações para outros sítios na Internet, etc., e procurando facilitar a fruição desses textos (um primeiro esforço nesse sentido, que serve de exemplo, encontra-se abaixo, com a canção "Águas de Março"). Aos alunos, que hoje descobrem este espaço, cabe cumprir o segundo objectivo, com a regularidade e a intensidade que desejarem.

Todos os leitores serão bem-vindos ao Tempos Compostos.