07/12/07

Um poema por semana

Elegia da Ereira, de Carlos de Oliveira

São as aves demais para chorar?
AFONSO DUARTE

À luz
deste azeite estelar
a que chamam luar
e que é apenas o fulgor
da cal a evaporar-se
com os ossos humanos,
são as aves
o menos que choramos.

Lágrimas desprendidas
dum olhar terrestre
que a loucura escurece,
lá vamos nós,
lá somos, mestre,
aquelas sombras flutuando no luar.

E no entanto a terra,
esse magoado coração do espaço,
chama ainda por nós.

Que lhe diremos, mestre,
tão pobres e tão sós.

in Terra de Harmonia (1950)

Carlos de Oliveira (1921-1981) é um dos maiores poetas e romancistas portugueses do século XX. Tendo passado a infância num meio rural e pobre, na região da Gândara, no concelho de Cantanhede (localidade que viria a servir de cenário aos seus romances), veio a integrar o movimento neo-realista aquando da sua vida de estudante por Coimbra. A história da sua poesia é a de uma passagem dos rígidos cânones da escola neo-realista a uma reflexão individual cada vez mais complexa sobre a escrita, a matéria, o movimento. Concebia a escrita como um trabalho de depuração e de aperfeiçoamento: reescreveu, alterando-os profundamente, quase todos os seus romances e, não por acaso, ao conjunto da sua obra poética chamou Trabalho Poético.

Leia aqui uma biografia de Carlos de Oliveira da Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas.

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