10/11/07

Um poema por semana

Meditação do Duque de Gandia sobre a morte de Isabel de Portugal, de Sophia de Mello Breyner Andresen

Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre.
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória a luz e o brilho do teu ser,
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mas servirei senhor que possa morrer.

in Mar Novo (1958)


Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) é considerada a mais importante poetisa portuguesa. Descendente de uma família de raízes nórdicas, desenvolveu um enorme fascínio pelo Mediterrâneo e, principalmente, pelo mundo clássico grego, que se tornou uma influência fundamental na sua vida e na sua poesia. Misturam-se, assim, na sua obra, o Norte e o Sul, o Atlântico e o Mediterrâneo. Na sua poesia sente-se uma grande admiração pela dimensão ética das civilizações clássicas, pelos valores da liberdade e da justiça (aliás, antes do 25 de Abril de 1974, Sophia fez parte de diversas organizações de resistência à ditadura, e foi depois deputada da Assembleia Constituinte de 1976). A sua poesia procura a simplicidade e a exactidão: os seus poemas são breves, claros, luminosos, limpos. Segundo a sua visão do trabalho poético, o poeta é um mediador entre os deuses e os homens, um descobridor. Também por isso, há na sua obra um enorme fascínio pelo universo das viagens, de Ulisses aos descobridores portugueses. Para além de poesia, Sophia escreveu livros para crianças (A Menina do Mar, A Fada Oriana, O cavaleiro da Dinamarca), uma peça de teatro (Colar) e traduções. Pelo conjunto da sua obra recebeu importantes prémios, como o prémio Camões (o mais importante prémio para autores lusófonos) em 1999, o prémio francês Max Jacob Étranger em 2001 ou o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana em 2003.

Descubra aqui a biografia de Sophia de Mello Beyner Andresen do Centro Virtual Camões.

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