Os Amantes sem Dinheiro, de Eugénio de Andrade
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.
in Os Amantes sem Dinheiro (1950)
Eugénio de Andrade (1923-2005) tornou-se uma referência para a poesia portuguesa logo aquando da sua estreia, com os livros As Mãos sem Fruto e Os Amantes Sem Dinheiro (ambos do fim da década de 40). Os seus poemas são geralmente curtos, seguindo a senda da mais antiga tradição lírica portuguesa, e revalorizam a palavra concreta e simples e a melodia interior do poema. A sua poesia invoca o amor através de imagens e de metáforas, mas é também marcada por uma certa sensualidade, pela presença do corpo e dos sentidos. Tendo ganho importantes prémios (entre os quais o prémio Camões, em 2001), Eugénio de Andrade distinguiu-se também como tradutor e como organizador de antologias de poesia – por exemplo, a sua Antologia Pessoal de Poesia Portuguesa, de 1999, é uma das mais consultadas actualmente.
Descubra aqui a biografia de Eugénio de Andrade do Centro Virtual Camões.
Existe uma fundação com o seu nome. Descubra-a aqui.
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