O nome do cão, por Manuel António Pina
O cão tinha um nome
por que o chamávamos
e por que respondia,
mas qual seria
o seu nome
só o cão obscuramente sabia.
Olhava-nos com uns olhos que havia
nos seus olhos
mas não se via o que ele via,
nem se nos via e nos reconhecia
de algum modo essencial
que nos escapava
ou se via o que de nós passava
e não o que permanecia,
o mistério que nos esclarecia.
Onde nós não alcançávamos
dentro de nós
o cão ia.
E aí adormecia
dum sono sem remorsos
e sem melancolia.
Então sonhava
o sonho sólido em que existia.
E não compreendia.
Um dia chamámos pelo cão e ele não estava
onde sempre estivera:
na sua exclusiva vida.
Alguém o chamara por outro nome,
um absoluto nome,
de muito longe.
E o cão partira
ao encontro desse nome
como chegara: só.
E a minha mãe enterrou-o
sob a buganvília
dizendo: «É a vida…»
O cão tinha um nome
por que o chamávamos
e por que respondia,
mas qual seria
o seu nome
só o cão obscuramente sabia.
Olhava-nos com uns olhos que havia
nos seus olhos
mas não se via o que ele via,
nem se nos via e nos reconhecia
de algum modo essencial
que nos escapava
ou se via o que de nós passava
e não o que permanecia,
o mistério que nos esclarecia.
Onde nós não alcançávamos
dentro de nós
o cão ia.
E aí adormecia
dum sono sem remorsos
e sem melancolia.
Então sonhava
o sonho sólido em que existia.
E não compreendia.
Um dia chamámos pelo cão e ele não estava
onde sempre estivera:
na sua exclusiva vida.
Alguém o chamara por outro nome,
um absoluto nome,
de muito longe.
E o cão partira
ao encontro desse nome
como chegara: só.
E a minha mãe enterrou-o
sob a buganvília
dizendo: «É a vida…»
17/2/90, in Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança (1999)
Manuel António Pina (1943) é um poeta, jornalista e cronista português. A sua obra inclui também vários livros infanto-juvenis (é um dos mais destacados autores portugueses a escreverem para esse público), peças de teatro e uma novela, Os Papéis de K. É actualmente colunista da revista Visão, fazendo frequentemente uso de ironia nas suas crónicas. A sua poesia é marcadamente auto-reflexiva, sendo a memória um dos seus temas privilegiados.
Encontre aqui uma biografia de Manuel António Pina (sítio da Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas).
Imagem: uma buganvília
1 comentário:
Que bonito, caramba.
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